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ENEM 2014 – Linguagens, códigos e suas tecnologias -Q.113 – Cruz e Souza


Vida obscura
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
ó ser humilde entre os humildes seres,
embriagado, tonto de prazeres,
o mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
a vida presa a trágicos deveres
e chegaste ao saber de altos saberes
tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
magoado, oculto e aterrador, secreto,
que o coração te apunhalou no mundo,
Mas eu que sempre te segui os passos
sei que cruz infernal prendeu-te os braços
e o teu suspiro como foi profundo!
SOUSA, C. Obra completa.Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1961.
Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo brasileiro, Cruz e Sousa transpôs para seu lirismo uma sensibilidade em conflito com a realidade vivenciada. No soneto, essa percepção traduz-se em
a) sofrimento tácito diante dos limites impostos pela discriminação.
b) tendência latente ao vício como resposta ao isolamento social.
c) extenuação condicionada a uma rotina de tarefas degradantes.
d) frustração amorosa canalizada para as atividades intelectuais.
e) vocação religiosa manifesta na aproximação com a fé cristã.
Resposta
Note que no poema existe muita alusão à cor escura: Vida “obscura“, espasmo “obscuro“, mundo para ti foi “negro“. Em seguida, veja como ele s refere ao sofrimento escondido: “Ninguém te viu o sentimento inquieto, / magoado, oculto e aterrador, secreto”.
Assim, podemos dizer que o autor sofre, de maneira escondida, tácita, discriminação pela sua cor.
tácito
adjetivo
  1. 1.
    não formalmente expresso.
  2. 2.
    p.us. onde não há som, ruído, rumor; sossegado, tranquilo.
    “a t. noite de seus sonhos”
Vale lembrar que Cruz e Souza era obcecado pela cor branca, abaixo transcrevemos o poema Antífona, em que essa obsessão fica mais clara. Em sua poesia, nota-se  que tudo que é bom é claro, alvo, branco, iluminado, e tudo o que é ruim possui cores escuras.
Letra A 

ANTÍFONA

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas…
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas…
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas …

Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume…
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume…

Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes…
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes …

Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.

Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.

Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente…
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.

Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas…
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas…

Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos…

Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios…
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios…

Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte…